Vou chamá-lo de Antônio para proteger seu anonimato enquanto falo de sua vida nesta página. Eu o conheço de vista há oito anos, desde que me mudei para a cidade. Todos os dias, sempre que não está chovendo, ele fica sentado na calçada, olhando para quem passa. Somos os seus vizinhos,sua grande novela e seu único passatempo diário. Sempre que o cumprimento, penso que, se Deus me der vida e saúde para chegar aos oitenta e poucos anos,minha velhice será um pouco melhor porque, na pior das hipóteses, se não tiver dinheiro para viajar por todo o mundo, estarei exatamente onde estou agora: na frente de um computador, lendo e digitando palavras. Acontece que, com a proximidade do Natal, ou por outro motivo que ainda não decifrei, comecei a pensar em algo que eu deveria ter feito há muitos anos: falar de Jesus para ele.
Todo cristão que conhece a doutrina do Novo Nascimento vai entender meu sentimento de urgência. Seu Antônio já cantou o hino nacional na hora cívica, já aprendeu a lição do dia, já merendou no recreio e copiou o dever de casa. Agora, com os pertences guardados na mochila e a lancheira pendurada na cadeira, está sentado quietinho em seu lugar e espera que alguém o leve para casa.
" Tá quase na hora, o sinal vai bater. A minha mãezinha contente eu vou ver. Adeus, professora. Para casa eu irei. Porém, amanhã, ao jardim voltarei."
Que metáfora imperfeita! Esta velha canção que aprendi aos cinco anos não serve bem para este caso, porque seu Antônio não poderá voltar amanhã ao jardim de infância se vierem buscá-lo (Hebreus 9.27). Além disso, se ele não conhece o Redentor (1João 5.12), se nunca lhe contaram que todos os humanos pecaram e precisam nascer de novo para ver o Reino de Deus (João 3.3), como ele poderá ir para casa?
Passei a semana pensando em conversar com seu Antônio sobre Jesus Cristo, mas não é uma coisa fácil de ser feita quando, convenhamos, passamos oito anos cultivando um relacionamento superficial com a vizinhança. Sempre troquei pequenas frases com ele, elogiando ou criticando o tempo, reclamando do calor ou, na pressa, apenas balançando gentilmente a cabeça. Agora sinto dificuldade para me sentar na calçada e, simplesmente, dizer-lhe: " Seu Antônio, o senhor já viveu bastante, não é mesmo? Eu, que nunca me importei a mínima com o senhor, que sempre o considerei elenco de apoio na história da minha vida, de repente, percebi que o seu sangue poderá cair sobre a minha cabeça. E, agora, aos quarenta minutos do segundo tempo, estou preocupada com a possibilidade do senhor morrer e ir para o inferno, porque não entregou sua vida para Jesus Cristo, não se arrependeu dos seus pecados e não pediu para nascer de novo...Seu Antônio, perdoe-me! O Mestre me mandou ir por todo o mundo contando as boas notícias de salvação, mas eu não falei nem para o senhor - que vejo quase todos os dias há oito anos."
Resolvi entregar-lhe um livretinho daqueles que tem todo o plano de salvação mastigado para o leitor. E, no final, à caneta, escrevi cuidadosamente uma oração de salvação, com a recomendação de que ele a faça em voz alta, num lugar de privacidade. Pronto. Caso resolvido. Só fiquei esperando um momento oportuno para a entrega do material de evangelização fast-food para desencargo de consciência.
Hoje, quando passei por ele, ousei perguntar: "Seu Antônio, o senhor gosta de ler?" Eu iria dizer em seguida que tinha muitos livros que ele poderia ler sentadinho ali na calçada, entre um transeunte e outro, mas ele fez minha estratégia desmoronar quando me disse, num grande sorriso sem dentes: "Eu não sei ler, minha filha".
Por dentro eu me desesperei. E agora??? Seu Antônio, como é que o senhor viveu quase noventa anos neste mundo e não se interessou em aprender a ler???!!!
Por fora, eu apenas sugeri que ele aprenda a ler com os netos, que seria muito bom se ele pudesse distrair-se com os livros e revistas, pois ler é ótimo para nos ajudar a passar o tempo. Na verdade, tudo o que eu queria era que Deus parasse o tempo, para que o seu Antônio conseguisse ouvir tudo o que não lhe falei durante tantos anos.
"Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo" (Apocalipse 3.20).
sexta-feira
Preciso de mais tempo
quarta-feira
De repente
Morreu de repente. Vinha correndo de moto, bateu num muro e morreu de repente. A notícia se espalhou pelo bairro e o velório ficou lotado. Ninguém entendia como aquilo foi acontecer daquela maneira, de repente.
Não sei como o fato ocorreu, e os detalhes já não importam. Só sei que foi de repente, pois dessa maneira também se morre.
Não vai mais se formar. Não vai mais se casar. Não vai mais ficar rico. Não vai mais coisa alguma, porque já se foi para onde todos vão, e ninguém quer ir de repente.
Escapou da guerra. Escapou da peste. Escapou da fome. Só não escapou do acaso. Tinha carteira assinada para a aposentadoria. Tinha plano de saúde para quando ficasse doente. Só não tinha uma vacina para a casualidade e não teve tempo de ficar velho, nem de adoecer, porque morreu de repente.
A gente ri da piada dos tomates atravessando a rua - " Cuidado com o..." (Ploft!) "O que foi que você disse?" (Ploft!) - sem pensar em nossa grande fragilidade. Por mais cuidado que tomemos, não somos nós que pilotamos os aviões, nem comandamos os reflexos dos motoristas bêbados e sonolentos das estradas. A eternidade pode chegar de repente, sem ter sido convidada.
A morte entra na vida da gente no minuto inesperado, com seu toque de sagrado, para provar que, na verdade, não somos os donos de nada. E, por mais que insistamos nesta nossa escalada, um dia não acharemos os outros degraus da escada.
Há muitos anos, ouvi uma pregadora dizer que, no cemitério, havia túmulos com pessoas de todas as idades, por isso precisávamos estar sempre prontos para nos encontrar com o nosso Deus. Eu nunca me esqueci daquelas palavras e estou sempre fazendo a oração do novo nascimento.
Entregue sua vida para Jesus Cristo agora e não tenha medo de acontecimentos inesperados.
"Agora dizeis: Hoje ou amanhã iremos a tal cidade, ficaremos ali um ano, comerciaremos e tiraremos o nosso lucro. E, entretanto, não sabeis o que acontecerá amanhã! Pois que é a vossa vida? Sois um vapor que aparece por um instante e depois se desvanece.Em vez de dizerdes: Se Deus quiser, viveremos e faremos esta ou aquela coisa" (Tiago 4:13-15).
Falando de folhas
Escrevi este texto em 2000, para uma revista. Depois disso, ele retornou ao limbo do meu HD e ficaria mofando até ser perdido para sempre. Mas eu resolvi atualizar este blog e precisei dele.
FALANDO DE FOLHAS
Flores sempre foram cantadas em prosa e verso, mas eu nunca ouvi um poeta me falar de folhas. Parece que vivemos num mundo onde convém que as flores cresçam e as folhas diminuam. E a natureza, às vezes, faz lembrar as desigualdades da sociedade humana, onde as pessoas querem ser exaltadas a qualquer custo e receber fama, poder e dinheiro, sem se importarem quando outros permanecem desprezados em um segundo plano.
Os que nasceram em posição de flores são sempre cheirados e admirados, mas poucos são os que se importam com as folhas, principalmente com as que estão pisoteadas e ressecadas ao longo do caminho. Mas Deus pensa diferente.
Um dia eu procurei pelas folhas na Bíblia e senti uma grande alegria quando constatei que elas também estavam lá. Não eram descritas tão belas como as flores dos campos, nem tão desejadas como os frutos da boa árvore, mas estavam lá. Não faziam dupla com as aves do céu (pois tal honra fora concedida apenas aos lírios dos campos), mas ainda assim trabalhavam exaustivamente: cobrindo a nudez da humanidade expulsa do Éden ou nos ramos alegres que se sacudiam ao som das vozes que gritavam hosanas ao Rei. Ora exuberantes na árvore plantada junto aos ribeiros de águas, ora secas de descontentamento com a figueira estéril. Mesmo assim, imprescindíveis no comprimento dos propósitos de Deus.
Talvez seja por isso que o Senhor Jesus, quando falou que era a videira verdadeira, não mencionou flores presas a seu corpo, apenas folhas.
Subitamente, eu entendi o grande mistério das folhas: elas vieram para servir...
Folhas quase nunca são colhidas e pouco se destacam nos buquês das festas, mas nutrem de seiva os ramos que brotam do fundo da terra. Folhas são bravas e fortes. Agüentam o vento e a tempestade... Enquanto as flores murcham e se despetalam no calor, elas olham corajosas para o sol e dele tiram a energia vital. E, mesmo em sua verde e quase imperceptível atuação, fazem o planeta inteiro respirar.
Por tudo isso eu pensei que seria muito bom se eu tivesse a graça de ser como as folhas, sem amar a glória dos arranjos e coroas, apenas servindo para realçar, manter e alimentar os que de mim precisassem. Apenas servindo verdemente serena, até que o Senhor me colhesse para ornamentar os Céus, um jardim eterno onde todos são iguais.
Iolanda Ribeiro
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